sábado, 26 de janeiro de 2008

Artigo A Barbárie Moderna - por Vieira


No Iraque, insurgentes degolam civis e soldados norte-americanos humilham prisioneiros iraquianos. Em Madri, terroristas explodem trens que transportavam trabalhadores numa manhã ao se dirigirem para o trabalho. Em Israel, ônibus lotados de civis são explodidos por homens-bombas. Na Rússia, uma escola é transformada em campo de concentração e matadouro de crianças nos moldes nazistas. Em vários lugares da África, a população é obrigada a morrer de fome, ou pelo facão do grupo rival. No Brasil, moradores de rua, indefesos, são covardemente mortos a pauladas. Em Sergipe crianças morrem a espera de cirurgia cardíaca.
No presente artigo, tentaremos mostrar que a barbárie não está tão distante de nós, faz parte do nosso dia a dia, e mesmo sem perceber praticamos a barbárie. Apesar de falar a respeito dos maiores atos de barbárie praticados pela humanidade, daremos ênfase à barbárie moderna, tanto a explícita como a simulada. Demonstraremos também que os atos de barbárie não são vistos como tais pelos seus autores, e que por isso estamos vivendo um processo de barbarização da sociedade. Por último indicaremos a educação como necessária para evitar esse processo de barbarização. Porém, antes de tudo se faz necessário explicar a palavra barbárie.
A palavra ‘barbárie’ originalmente foi empregada pela mentalidade eurocêntrica, que se considerava o exemplo de organização social civilizada. Foi Vico [1638-1744] que cunhou de ‘barbárie’ o estado primitivo ou selvagem de indivíduos ou grupos que não teriam evoluído rumo ao estado de homem ocidental civilizado. A barbárie passou a se opor ao humanismo, ou seja, é um ato considerado ‘desumano’ porque não respeita os fundamentais valores conquistados no campo da ética, do direito, da ciência, da democracia pluralista e da própria organização social. No século 20, o termo ‘barbárie’ sofreu uma virada de sentido com as pesquisas antropológicas que reconheceram que as demais culturas humanas não brancas, também eram dotadas de organização social racional, tinham valores e preceitos morais próprios, portanto, eram civilizadas. Essa virada, com C. Lévi-Strauss, chegou-se ao extremo de considerar que bárbaro autêntico é aquele que apenas denuncia a barbárie do vizinho e não se dá conta de reconhecer sua própria barbárie. Todavia, nos dias de hoje, no início do terceiro milênio, a palavra ‘barbárie’ passou a significar o sentido originalmente negativo; passou a ser empregada para caracterizar um ato criminoso, cujos requintes de perversidade, até então impensável, representam um retrocesso no processo civilizatório. Quando iraquianos dançaram em volta de corpos de soltados norte-americanos queimados e pendurados em postes, logo, foram considerados pela mídia de bárbaros, é inegavelmente uma barbárie nascida na civilização branca ocidental.
Porém, nesse artigo, entenderemos por barbárie, todo e qualquer ato ou omissão considerada desumana. Esclarecendo, barbárie, aqui, abrange desde os holocaustos praticados pelos nazistas contra os judeus, e pelos americanos contra os japoneses em Hiroshima, passando pelos assassinatos mais cruéis, até os crimes considerados mais simples. Mas, daremos ênfase à barbárie moderna. Nesse sentido, a barbárie consegue maior visibilidade quando o crime de morte aparece em grandes proporções, numa forma antes impensável e surpreendente, obtendo imediato destaque de espetáculo na mídia. Assim, os assassinatos dos moradores de rua de São Paulo e Belo Horizonte são considerados atos de barbárie, a matança de crianças são atos de barbárie. Pessoas que morrem de fome ao nosso lado, enquanto nos omitimos, é um ato de barbárie
Todos os dias, em todos os instantes podemos observar a barbárie. Basta ligar a televisão para ouvir as notícias sobre política, economia e o social; ou ir ao centro de Aracaju e de outras capitais para ver a fome nas ruas, a miséria estampada no rosto das crianças pedintes e a omissão das pessoas que passam alheias ao sofrimento dos seus próximos. Os políticos aprovam leis para se beneficiar, desviam quantias exorbitantes e forjam CPIs, para serem inocentados. Enquanto isso a segurança, a educação, a saúde e o social em geral estão entregues ao deus dará. Essa semana em Aracaju, um homem degolou sua esposa com um facão e depois se matou. Em São Paulo, pessoas morreram no acidente previsto da construção do metrô. O mais incrível é que essas pessoas mortas são consideradas simples obstáculos e vítimas necessárias para a finalização da obra.
Babás espancam crianças com Síndrome de Daw, mães abandonam filhos nas ruas ou os jogam em lagos, filhos matam pais para receber a herança, mulheres, crianças indefesas (um mês) e idosos são estuprados, a fome se alastra e a omissão cresce. Estaríamos hoje vivendo um processo de barbarização em todos os setores da sociedade? A falta de respeito para com o próximo, a falta de vergonha, a atitude dogmática e esclerosada do pensamento, a recusa em reexaminar as posições conservadoras, a indiferença para com o sofrimento dos outros, a incapacidade de identificação com os diferentes, os chamados crimes de ódio, os atos amoucos cada vez mais freqüentes, a crença de que somente a “lei do cão” é capaz de consertar o mundo injusto e desigual, são alguns dos sintomas de barbárie do nosso cotidiano.
Aquele que comete qualquer ato bárbaro jamais se identifica como sujeito de seu ato monstruoso. E, jamais se identifica com suas vítimas. tanto os chefes nazistas como os chefes que comandaram as atrocidades de Camboja, de Sarajevo, em Ruanda, etc. Não se identificam com suas vítimas e seu desespero. E, nunca assumem seu ato como monstruoso, isto é, quanto mais absurdo e cruel é caracterizado o crime cometido maior é a negação do criminoso. Da mesma forma, hoje não achamos que é barbárie observar as pessoas passando fome, um trabalhador ganhar 100.00R$, por um mês inteiro de trabalho, crianças vagarem nas ruas em busca de comida, sendo mal tratadas pelas pessoas que passam. São esses episódios que acontecem rotineiramente que chamamos de barbárie moderna simulada.
O autor alemão, Adorno, considera a falência da cultura e da educação a “razão objetiva da barbárie”, para ele a barbárie se autoriza numa sociedade onde a cultura e a educação deixa de ser prioridade tanto do governo como da sociedade civil. Da mesma forma entendemos que a educação, mais especificamente, o ‘ensino’, quando investem na manutenção das conquistas humanas fundadas no conhecimento dialógico, pode contribuir para evitar prevenir a metástase da barbárie no todo da sociedade. Porém, o conhecimento científico, a idéia de progresso, e a razão prática, não garantem evitar que a civilização se sustente.
O grande perigo da barbárie hoje é ter pretensões apocalípticas de destruição da humanidade e do próprio planeta. Entretanto, há otimistas – que bom que eles ainda existem - que entendem que nossa dimensão demasiadamente humana pode ser educada e transformada em desejo canalizado em prol da cultura, da linguagem dialógica e da construção de uma verdadeira civilização dotada, sobretudo de sabedoria.

Referências:
· LIMA, De Raimundo. “É Barbárie, Genocídio, Holocausto ou Massacre”. Espaço Acadêmico. São Paulo, vol.45, fevereiro de 2005. www. Revistaespaçoacademico.com. acesso em 15-01-07.
· DA SILVA, Antônio Ozai. “Educar Contra a Barbárie”. Espaço Acadêmico. São Paulo. Vol. 39, agosto de 2004. www. Revistaespaçoacademico.com. acesso em 15-01-07.
· Textos indicados pelo professor Rui Belém

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